Páginas

SALTIMBANCOS

A vida é só um picadeiro de circo. Quando notamos...
Foram-se as lâminas certeiras dos atiradores ciganos,
restaram véus de purpurinas. Apenas as lembranças rodopiam.
Ecoam em algum lugar aqui dentro como cambalhotas sapecas.
(Carla Andrade - "Conjugação de Pingos de Chuva")

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

De onde a comida não vem enlatada...

Aconteceu na zona rural do Acre...
Estava na casa de uma família, num seringal de muitas histórias. Uma família de um modo de vida simples, muito simples de visualizar: cultivam café, arroz, mandioca, fazem farinha, criam gado, ovelhas, tomam banho de igarapé ou de caneca e andam a pé. Andam muito a pé. A cidade mais próxima está a cerca de 40 minutos de carro dali. Mas como eles não têm carro, a algumas horas.

Como é de praxe na zona rural da região norte, levei meu rancho* para ajudar na refeição já que teriam algumas bocas a mais para alimentar. Infelizmente, não estive presente enquanto a matriarca da família preparou o almoço. A arte da panela no fogão a lenha. Quando cheguei, tudo já estava pronto. Quando parecia já me sentir em casa, foi então que tudo pareceu muito novo, diferente e surpreendente.Arroz, feijão, carne seca deliciosa, farinha, frango, macarrão preparado sem molho algum, como é de costume na região, e dois enlatados fechados, um de molho de tomate e outro de atum. Do rancho que levei, apenas o frango e o macarrão foram aproveitados. O molho de tomate e o atum, um desencontro de culturas. Ninguém sabia o que era, do que se tratavam aquelas latas. Nenhuma palavra dita. Levei o molho porque sabia sim que o macarrão seria feito sem ele, mas nunca imaginaria que poderia me sentir tão peixe fora d´água.

Deixei o atum de lado e abri a lata de tomate, joguei no macarrão e me deliciei. Assim como me deliciei com a carne seca, a farinha e tudo o mais que era dali. Mais tarde descobri que a “carne enlatada”, o atum que nunca tinha sido visto, foi colocado na panela com a farinha, levado para o fogo e se tornado um prato delicioso, como nunca comi antes.

Depois da fome saciada, quando a luz do sol já caía, se acendiam as lamparinas. O que todos queriam era mesmo conversar e dar boas risadas do atum, do tomate e do desconcerto da visitante. Tanto eu como eles. Prática deliciosa, diária e sem hora para acabar num lugar onde ainda não há televisão, energia elétrica e onde todos se deitam por volta das 8 horas da noite. Na cama ou na rede... de portas e janelas abertas para espantar o calor. *rancho: alimentação