Estava na casa de uma família, num seringal de muitas histórias. Uma família de um modo de vida simples, muito simples de visualizar: cultivam café, arroz, mandioca, fazem farinha, criam gado, ovelhas, tomam banho de igarapé ou de caneca e andam a pé. Andam muito a pé. A cidade mais próxima está a cerca de 40 minutos de carro dali. Mas como eles não têm carro, a algumas horas.
Como é de praxe na zona rural da região norte, levei meu rancho* para ajudar na refeição já que teriam algumas bocas a mais para alimentar. Infelizmente, não estive presente enquanto a matriarca da família preparou o almoço. A arte da panela no fogão a lenha. Quando cheguei, tudo já estava pronto. Quando parecia já me sentir em casa, foi então que tudo pareceu muito novo, diferente e surpreendente.Arroz, feijão, carne seca deliciosa, farinha, frango, macarrão preparado sem molho algum, como é de costume na região, e dois enlatados fechados, um de molho de tomate e outro de atum. Do rancho que levei, apenas o frango e o macarrão foram aproveitados. O molho de tomate e o atum, um desencontro de culturas. Ninguém sabia o que era, do que se tratavam aquelas latas. Nenhuma palavra dita. Levei o molho porque sabia sim que o macarrão seria feito sem ele, mas nunca imaginaria que poderia me sentir tão peixe fora d´água.
Deixei o atum de lado e abri a lata de tomate, joguei no macarrão e me deliciei. Assim como me deliciei com a carne seca, a farinha e tudo o mais que era dali. Mais tarde descobri que a “carne enlatada”, o atum que nunca tinha sido visto, foi colocado na panela com a farinha, levado para o fogo e se tornado um prato delicioso, como nunca comi antes.
Depois da fome saciada, quando a luz do sol já caía, se acendiam as lamparinas. O que todos queriam era mesmo conversar e dar boas risadas do atum, do tomate e do desconcerto da visitante. Tanto eu como eles. Prática deliciosa, diária e sem hora para acabar num lugar onde ainda não há televisão, energia elétrica e onde todos se deitam por volta das 8 horas da noite. Na cama ou na rede... de portas e janelas abertas para espantar o calor. *rancho: alimentação